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sábado, 12 de fevereiro de 2011
Tieta do Agreste, Jorge Amado
Tieta do Agreste ou o regresso da filha pródiga
A releitura destas deliciosas páginas, ao fim de tantos anos, é como o retroceder a uma infância feliz, do tempo em que as telenovelas não eram histórias ocas e repetidas, sem conteúdo, mas um espelhar artístico das grandes obras da Literatura Universal.
Jorge Amado apresenta-nos uma riqueza de personagens, cada uma mais fascinante do que a anterior… Tieta, a filha escorraçada Sant’Ana do Agreste pelo bordão do pai, José Esteves, acaba por regressar à terra onde tantas vezes se fez mulher, já não cabrita sem eira nem beira, mas viúva rica de um comendador que, apesar de nomeado (Filipe), permanece quase anónimo no desenrolar das páginas que nos surpreendem a cada instante. De passado dúbio, devido às suas desvairadas e libertinas aventuras sexuais enquanto moça, Tieta regressa rica, distribuindo presentes às mãos cheias pela comunidade que, se antes a excomungou, agora a santifica e idolatra.
Perpétua, a irmã beata, mãe de Peto e Cardo, o seminarista, engole sapos para se poder apropriar do maior número de bens possível. Nas suas atitudes pouco católicas, a fervorosa beata é das personagens mais interessantes desta narrativa.
Tieta a todos atende: a ela se deve a chegada da luz a Agreste ( a luz de Tieta), é ela que traz novo alento à vida enfadonha das mulheres e homens de Agreste e Mangue Seco, é ela que desflora Cardo, conduzindo-o a uma nova visão de Deus e dos homens.
A narrativa é enriquecida pela sede de poder, representada pela “venda” de Ascânio, homem aparentemente incorruptível, à Brastânio, empresa que pretende construir uma fábrica em Mangue Seco, ameaçando a virgindade e pureza da região com gases extremamente poluentes. A população divide-se, a possibilidade de enriquecer às custas do lixo tóxico sobe à cabeça dos personagens mais corruptíveis, mas alguns mais valorosos, quais Dona Carmosina, a cultíssima e interventiva “generala” dos Correios, mantêm-se firmes, lutando pelo bem estar do paraíso terrestre que os viu nascer.
O romance entre Ascânio Trindade e Leonora, pseudo enteada de Tieta, arrasará com qualquer perspectiva de progresso na cidade, quando, pedida em casamento, Leonora decide revelar a Ascânio a sua verdadeira vida: prostituta no Refúgio dos Lordes, em São Paulo, casa de luxo dirigida por Antonieta Esteves Cantarelli, a nossa Tieta que acaba por abandonar, mais uma vez, o seu Agreste em direcção a São Paulo. À excepção de Carmosina, a amiga de sempre, todos ( ou quase todos) os que santificaram Tieta, acabam por “condená-la”. Num derradeiro final em que a filha pródiga se vê obrigada a abandonar, uma vez mais, a terra que a vira nascer, a voz do povo sobrepõe-se, numa tabuleta manualmente e artesanalmente substituída: a rua asfaltada (também por obra e graça de Tieta), em que Ascânio mandara colocar uma placa com um sonante nome, acaba por tornar-se, pela mão do povo, na RUA DA LUZ DE TIETA.
Muito mais haveria para dizer sobre a sensualidade de personagens como Carol, Maria Imaculada, entre outras, sobre os sonhos de cada um dos personagens, sobre as teias de poder e política que se desenvolvem nestas páginas. Nada como uma leitura para revivermos, cada um ao seu jeito, tempos imemoriais de um passado que não voltará, enterrado, para sempre, em Sant’Ana do Agreste. Votos de boas leituras!
Delfina Vernuccio
sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011
A noiva Bórgia, Jeanne Kalogridis
Narradora – Sancha de Aragão
Na igreja de San Gennaro, no dia do aniversário do rei (avô de sancha), assiste-se ao milagre associado ao sangue do Santo.
Sancha era filha ilegítima de Afonso. Ela demonstra-se, desde criança, muito ousada e pouco importada com os protocolos da corte.
Numa ocasião visita o museu dos mortos do seu avô Ferrante; ao ser surpreendida, ao invés de ser severamente punida, Sancha é gabada pela sua coragem. Ferrante admira-a, mas coloca em causa a sua fé, desmistificando-lhe o milagre de San Gennaro.
Afonso, no entanto, castigou Sancha, proibindo-a de estar com o seu irmão durante duas semanas. Sancha odiou de tal forma o seu pai que sentiu vontade de o matar.
Sancha é prometida em casamento a um duque, Onorato. A ideia não lhe desagrada e acabam por consumar o acto sexual antes do casamento. Decide ir a uma bruxa para conhecer o seu futuro: esta diz-lhe que do poder de Sancha dependerão muitos homens e nações; diz-lhe também que nunca se casará com Onorato, mas sim com o filho do homem mais importante de Itália, o qual nunca amará. Passado pouco tempo desta revelação, Sancha é informada de que deverá contrair matrimónio com Jofre Bórgia, filho do Papa Alexandre VI ( Rodrigo Bórgia). A propósito da contrariedade sentida por Sancha, que amava Onorato caetani, tecem-se algumas considerações sobre a forma pouco idónea como Rodrigo Bórgia chegara ao poder papal, subornando bispos e cardeais e eliminando o seu próprio irmão.
Assim que Ferrante morre, Afonso II é proclamado rei e Sancha casa com Jofre Bórgia que, pelo casamento, se torna príncipe de Squillace. Assim sendo, Sancha vê-se obrigada a abandonar Nápoles e, consequentemente, o seu irmão Afonso.
Interessante o facto de o rei Afonso e o cardeal terem que assistir, para testemunhar, à consumação do matrimónio.
Ao chegarem a Squillace, Sancha vê-se num castelo humilhantemente em ruínas, que tem que remodelar para viver com a dignidade de uma princesa.
É chocante e ilustrativa a cena em que Jofre e os seus amigos vindos de Roma se embebedam e passam uma orgíaca noite, no castelo, com prostitutas locais. Sancha é acordada pelos gritos de uma criança e, para além da orgia, presencia a terrível cena do cardeal Luís Bórgia a violar o pequeno Matteo. Sancha enche-se de fúria e expulsa todos do seu castelo, despertando, assim, a ira do cardeal Luís Bórgia.
O Papa, ao ouvir falar da extrema beleza de Sancha, começa a manifestar interesse em possui-la como amante (note-se que, além de seu sogro, Alexandre VI é o chefe supremo da igreja católica; tendo em consideração também o anterior episódio de violação do pequeno Matteo, pode afirmar-se que esta narrativa nos transmite uma imagem bastante chocante relativamente à igreja católica do século XV.
Em breve uma preocupação maior invade Sancha: Carlos VIII, rei de França, planeava invadir Nápoles. E mais uma vez a imagem da igreja não sai sem mácula: Sua Santidade havia prometido a D. Afonso apoiá-lo contra os franceses e acaba por traí-lo, deixando os napolitanos à mercê da sua sorte. D. Afonso parece enlouquecer com toda esta situação e é a sua filha ilegítima, que ele tanto maltratou, que demonstra a sua bravura e coragem: decide abandonar o seu reino em Squillace e partir para Nápoles para ajudar a combater o inimigo!
D. Afonso, entretanto, abandona Nápoles, levando consigo todos os seus tesouros e deixando o reino numa situação complicada. D. Ferrante II, seu filho, vê-se obrigado a assumir o reinado de Nápoles.
A partir daqui a narrativa assume um carácter de crítica exacerbada ao poder clerical. O leitor vê desfilar perante si todos os deboches do Papa, que além de possuir amantes e filhos, mantém relações sexuais com a sua própria filha, Lucrécia Bórgia. A contribuir para este cenário surge também a personagem de César Bórgia, que vai contribuir para o terrível desfecho da vida de Sancha de Aragão. César revela-se um terrível assassino, violador, sem escrúpulos, mas Sancha não resiste à sua paixão pelo cunhado, situação que vai conduzir a uma derradeira tragédia. Entre orgias romanas, traições políticas e sede de poder, a imagem da igreja é completamente reduzida a um sentimento de asco provocado no leitor. A narrativa prende-nos, não tanto pela sua qualidade literária, mas pelo enredo que, não obstante a existência de algumas cenas fictícias, nos apresenta factos históricos bem concretos. Mais um livro a não perder, cujo resumo não concluirei, para que o leitor tenha a oportunidade de se aventurar e de se questionar nesta apaixonante Itália do século XV.
sexta-feira, 21 de janeiro de 2011
Uma releitura de Os Maias
Voltar aos meandros desta obra prima do Realismo português foi uma experiência irrepetível. Foi o reconhecer de que Os Maias é, de facto, uma das grandes obras da Literatura Universal.
Mergulhar na intriga foi como entrar na máquina do tempo, retrocedendo aos meus catorze anos, quando tão orgulhosamente representei, na escola, a personagem de João da Ega, ao qual, até à data, me mantenho fiel.
O jantar no Hotel Central, para além de ser um desfile de várias personagens masculinas, representa as diversas posições político-literárias da época. O aceso “debate” entre João da Ega (defensor da Ideia Nova) e Alencar, é um dos momentos mais empolgantes deste capítulo VI, que continua a ser um dos meus predilectos.
A inigualável escrita de Eça, de uma ironia por vezes quase a roçar o mordaz, faz-me lembrar que houve épocas em que a Literatura era levada a sério e não se vendia ao kg nas prateleiras dos supermercados.
Não querendo refugiar-me no espírito sebastianista, tão tipicamente português, a verdade é que, no que à Literatura respeita, o mundo foi perdendo qualidade e rigor. Quanto a mim, quanto mais avanço no tempo mais me apetece reler os clássicos, de Eça a Victor Hugo, de Shakespeare a Wilde, num elenco de nomes que, felizmente, ainda vai sendo suficientemente grande para me preencher os olhos e o espírito de boa Literatura.
Vou, então, encerrar este capítulo e bater à porta da Vila Balzac, na Penha de França, onde o meu Ega, mefistofélico, dará um retoque luminoso à minha alegria de o reler…
Delfina Velez Vernuccio
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